JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA COMARCA DE WITMARSUM/SC.
Proc n. 93/93
O representante do Ministério Público, em exercício nesta Comarca, no uso de suas atribuições legais e com fulcro no art. 403 do Código de Processo Penal, vem à presença de Vossa Excelência, nos autos de Processo Crime n. 93/93, no qual é acusado Bobby Beausoleil, sendo-lhe imputada a prática do crime previsto no art. 132 do Código Penal e da contravenção descrita no art. 21 do D.L. 3.688/41, apresentar suas ALEGAÇÕES FINAIS na forma de memoriais nos seguintes termos:
Narra a prefacial acusatória que:
[...] 1) No dia 19 de novembro de 2014, por volta das 8:30h, o denunciado Bobby Beausoleil, pilotando o veículo Chevette Tubarão, placas AAA-0000, em alta velocidade e "cantando pneus", ingressou no pátio do estabelecimento comercial Thelema Veículos, localizado na Av. X, nesta Comarca, quase atingindo os apavorados funcionários que ali se encontravam, bem como a própria estrutura física do imóvel. Com tal proceder (írrito uso de veículo), doloso e visando a perturbar e atemorizar os funcionários, o denunciado pôs em risco a segurança alheia e expôs a vida das pessoas ali presentes a perigo direto e iminente.
2) Não satisfeito, no dia 31 de janeiro de 2015, por volta das 11h, o denunciado, agindo com dolo, adentrou no sítio dos fatos, quando de forma intimidatória se jogou de cabeça contra o crânio da vítima e o empurrando. Praticou vias de fato, sem contudo produzir resultado naturalístico.
Não satisfeito, à sequência, o denunciado novamente entrou em vias de fato com o ofendido Tex Watson, pegando o seu braço e o torcendo para trás, sendo necessária a contenção do denunciado por terceiros.
[...] (p. 70-71).
A denúncia foi recebida em audiência realizada em 19.10.2016.
Na ocasião, o defensor ofereceu defesa preliminar, sustentando que os fatos não ocorreram como narrados na denúncia.
Após, foram ouvidas as testemunnhas arroladas pelo Parquet, ao passo que o acusado não indicou testemunhas. Na sequência, o acusado foi interrogado (p. 111).
Ao final, o Magistrado deferiu o prazo de 1 (um) dia para que o acusado pudesse juntar as gravações relativas aos fatos. Ultrapassado o prazo, foi determinado a abertura de vistas as partes para as alegações finais.
Às p. 112-122, o acusado, por intermédio de sua defesa, juntou documentos e fotografias com imagens do local dos fatos. Os autos vieram, então, com vistas para as alegações finais.
Esse é o relato do necessário.
Ao denunciado é imputada a prática do crime previsto no art. 132 do Código Penal e o art. 21 do D.L 3.688/41, sendo adequado, para o caso, que a sentença seja julgada parcialmente procedente, pelas razões que passo a expor.
1. Do crime de exposição a perigo para a vida ou a saúde de outrem:
Segundo consta dos autos, no dia 19.11.2014, por volta das 8h30min, o acusado ingressou no pátio do estabelecimento comercial Thelema Veículos, localizado nesta Comarca, na condução do veículo Chevette, em alta velocidade e "cantando pneus". Agindo dessa forma, o acusado colocou em risco a vida dos funcionários e clientes que se encontravam no local.
A materialidade do fato está comprovada por meio do Boletim de Ocorrência da p . 3, como também pela prova oral colhida durante a instrução criminal.
A autoria, por seu turno, é incontroversa.
Sobre os fatos, o acusado na Delegacia de Polícia sustentou que, certo dia, chegou no estabelecimento devagar, mas como tinha areia no chão, o carro correu um pouco. Disse que isso ocorreu uma única vez (p. 11-12). Em Juízo, basicamente, o acusado manteve suas declarações anteriores, reafirmando que 'não chegou dando cavalo de pau' (5'44). Disse que ao chegar no local a chancela estava aberta e que não colocou em risco a vida das pessoas que estavam presentes no local.
A testemunha Tex Watson declarou, em Juízo, que conheceu o acusado através da loja e que nunca o viu anteriormente. A partir de dois minutos e trinta e oito segundos do áudio o depoente esclareceu que, no dia dos fatos, o acusado chegou na local com o carro em alta velocidade, puxando ele o freio de mão e deixando todos bastante assustados.
Contou que o local era o pátio da loja, mas que as portas ficam abertas e onde "ele deu o cavalo de pau" fica de frente pra loja. Disse que, em seguida, o acusado desceu do carro e entrou na loja falando alto e em tom agressivo ele declarou: "vocês vão ter que arrumar o meu carro, isso não vai ficar assim" (3'59").
Ainda, aos cinco minutos do áudio, o depoente reafirmou que o acusado entrou em alta velocidade. Disse que quando ele deu cavalo de pau por pouco não atingiu a vidraça e não entrou dentro da loja (5'47"); e que na ocasião todos se levantaram assustados, querendo ver o que tinha acontecido.
Em Juízo, a testemunha Linda Kasaabian apresentou versão semelhante que a do seu colega Tex Watson. Declarou que o acusado esteve na Loja Thelema várias vezes (foram mais de duas vezes) para reclamar sobre um problema no carro dele. Aos três minutos e vinte e três segundos da mídia, o depoente narrou que presenciou a chegada do acusado. Disse que ele chegou "dando cavalo de pau" e que foi mais ou menos um giro de 40 graus, sendo que a distância em que o acusado praticou a ação e a frente da loja era cerca de meio metro.
In casu, infere-se dos autos que o local em que o acusado praticou a manobra perigosa. Embora se trate de um estabelecimento particular, é um local acessível ao público, onde circula um número considerável de pessoas, por ser uma revenda de carros, e ainda, com um número elevado de funcionários - segundo as testemunhas são cerca de 10 funcionários. Havia ainda no sítio clientes e interessados, a garantir a multitude de possíveis vítimas. Ademais, como bem destacou a testemunha Tex Watson, era possível que estivesse passando alguém pelo local no exato momento em que o acusado chegou, até mesmo uma uma criança. Por sorte não aconteceu uma tragédia.
O conjunto probatório não deixa dúvidas sobre a existência do dolo na conduta do acusado que expôs a perigo CONCRETO a vida das pessoas presentes no interior e também ao lado de fora da Loja Thelema Veículos.
Sobre o delito em estudo, o doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete ensina que "A conduta típica é expor a perigo a vida ou a saúde de outrem por qualquer meio. Pode-se cometer o crime por ação em sentido estrito ou omissão, quando o autor tem o dever jurídico de evitar resultado lesivo" (Código Penal Interpretado. 9ª ed. São Paulo. Atlas, 2015, p. 882).
Assim, a elementar do tipo penal ficou evidenciada, de modo que, não há que se falar em absolvição.
Ressalta-se, outrossim, que o delito previsto no art. 132 do Código Penal não exige a ocorrência do dano, porém há a necessidade em ter sido posta em risco direto ou iminente a vida ou a saúde de outrem, o que ocorreu no caso.
Nesse contexto, leciona Guilherme de Souza Nucci:
Perigo concreto: trata-se de um tipo genérico de perigo, válido para todas as formas de exposição da vida ou da saúde de terceiros a risco de dano, necessitando da prova da existência do perigo para configurar-se. [...] Perigo direto e iminente: é o risco palpável de dano voltado a pessoa determinada. A conduta do sujeito exige, para configurar este delito, a inserção de uma vítima certa numa situação de risco real - e não presumido -, experimentando uma circunstância muito próxima ao dano. [...] (Código Penal Comentado, 10ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 658.)
No caso dos autos, é certo que se encontra caracterizado o dolo de perigo, uma vez que, ao ingressar no pátio do estabelecimento comercial, de forma brusca e em alta velocidade, o denunciado demonstrou a sua vontade de colocar em risco a vida das pessoas presentes no local.
Sobre o assunto, destaca-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO-CRIME. PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM. ART. 132 DO CÓDIGO PENAL. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. Prova judicializada que indica que o réu, ao sair de sua garagem em velocidade excessiva, trafegou rente a caminhão ali estacionado, em uma rua de considerável largura, e expôs a vítima e terceira pessoa a perigo de vida, que só não foram atropeladas porque lograram fugir, um por entre a cabine e o tanque de gasolina, outra para a frente do veículo. 2. O delito em análise exige dolo de perigo, e não de dano.(Recurso Crime Nº 71005381140, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 26-10-2015.)
Desse modo, uma vez que certas a materialidade e autoria delitivas, entende o Ministério Público que o acusado deverá ser condenado, por infração ao disposto no art. 132 do Código Penal. Ressalta-se, por fim, que foi concedido ao acusado prazo para a apresentação das gravações relacionadas aos fatos, as quais ele dizia possuir.
Contudo, foram juntados documentos, as chamadas 'declarações abonatórias' (p. 114-114), fotografias (p. 117-122), além da Reclamação feita no Procon de Witmarsum/SC, mas não a gravação referida pelo acusado, deixando ele portanto, de provar as suas alegações, ônus que lhe incumbia, a teor do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal.
2. Da contravenção de vias de fato, descrita no art. 21 do D.L n. 3.688/41:
Com relação à conduta descrita no art. 21 da LCP, entendemos que o acusado deverá será absolvido pela prática da referida conduta, porquanto não ficou caracterizada a infração.
Quando indagado sobre os fatos na fase inquisitiva, o acusado contou que esteve na loja em que a vítima Tex Watson trabalha pedindo para resolver os danos existentes no seu veículo. Disse que Tex Watson se aproximou do declarante e no momento em que mexeu o braço, o interrogando instintivamente pegou o braço de Tex Watson e o afastou. Nega porém agressão ao ofendido (p. 11-12).
Em seu interrogatório judicial o acusado manteve a negativa da autoria, reafirmando que não agrediu a vítima, e o que houve foi somente uma discussão.
A vítima Tex Watson ao ser ouvido na fase policial contou que, no dia 31.1.2015, o acusado foi até a loja e informou que o ar condicionado havia parado de funcionar. Disse que no momento falou ao autor que a garantia já havia acabado e que se ele quisesse poderia buscar pelos seus direitos na justiça; foi quando o acusado declarou: "que justiça, o que! Eu resolvo de outra forma, vou te matar". Narrou que, em seguida, o acusado se aproximou, encostou a cabeça dele na sua e o empurrou; após, ele pegou o braço do declarante empurrando-o para trás (p. 8-9).
Sob o crivo do contraditório, a partir de sete minutos e nove segundos do áudio o ofendido narrou que, no dia dos fatos, o acusado chegou na loja novamente reclamando que o carro dele havia quebrado. Disse que, como gerente, informou que o prazo da garantia já havia passado e orientou o acusado a buscar os seus direitos. Naquele instante o acusado falou "a minha justiça é diferente da tua" (7'56") e afirmou que a situação seria resolvida entre eles. Na sequência o acusado pegou o seu punho direito e o colocou para trás e também encostou a cabeça dele na do ofendido, de modo intimidatório.
O ofendido alegou que foram simultâneos a pegada no braço e o encostou na sua cabeça. Ainda, aos doze minutos e quarenta e sete segundos do áudio, o ofendido informou que não sabe se o acusado teve a intenção de agredir ou de intimar apenas, pois sempre que ele ia até a loja chegava exaltado, dando "cavalo de pau" e acredita que o acusado fez isso querendo intimidá-lo.
A testemunha Linda Kasabian - colega de trabalho do ofendido - sob o crivo do contraditório contou que estava presente na loja na data em que ocorreu o fato, mas não presenciou a agressão, pois no momento estava atendendo um cliente e não viu se o acusado "torceu o braço do seu colega" (6'07), confirmando assim, o seu relato prestado perante a Autoridade Policial (p. 24-25).
Analisando detidamente os relatos colhidos em ambas as fases da persecução criminal, conclui-se que não ficou caracterizado a contravenção de vias fato.
Isso porque, de acordo com as declarações colhidas, o acusado praticou o fato querendo meramente intimidar fisicamente a vítima. Não houve o dolo.
Ademais, verifica-se que já houve discussões pretéritas entre as partes (o acusado foi mais de uma vez na loja), o que corrobora o entendimento de que não houve o dolo por parte do acusado que, querendo, poderia ter agredido a vítima em datas anteriores, eis que ele já havia estado na loja em diferentes ocasiões.
O elemento subjetivo do tipo da infração penal de vias de fato é o dolo, demonstrado no ânimo do agente em provocar o mal físico a alguém, sem a produção de lesões corporais (Comentários à Lei das Contravenções Penais - São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 114).
Dessa forma, a jurisprudência vem acolhendo unicamente como infração de vias de fato a conduta que põe termo a um ato voluntário de agressão, revelado no desejo de molestar, ofender ou produzir um mal físico sem o resultado naturalístico.
Assim, malgrado as declarações do ofendido afirmando que o acusado pegou o seu braço, empurrando-o para trás, conclui-se que não ficou caracterizado a contravenção de vias de fato, até porque o réu é um expert em artes marciais e se quisesse ter magoado fisicamente o ofendido, teria conseguido. Não é o caso dos autos ...
Desse modo, conclui-se que o acusado deverá ser absolvido da contravenção de vias de fato, uma vez que não caracterizada a referida conduta.
Diante do exposto e considerando tudo que consta aos autos, requer o Ministério Público, por seu Promotor de Justiça, que seja julgado parcialmente procedente o pedido contido na denúncia oferecida, a fim de que o acusado Bobby Beausoleil seja condenado pela prática do crime previsto nos art. 132 do Código Penal, e absolvido da contravenção de vias de fato descrita no art. 21 do D.L 3.688/41, por ser medida de inteira justiça.
Witmarsum, 13 de março de 2021
Vincent Bugliosi
Promotor de Justiça
Proc n. 93/93
O representante do Ministério Público, em exercício nesta Comarca, no uso de suas atribuições legais e com fulcro no art. 403 do Código de Processo Penal, vem à presença de Vossa Excelência, nos autos de Processo Crime n. 93/93, no qual é acusado Bobby Beausoleil, sendo-lhe imputada a prática do crime previsto no art. 132 do Código Penal e da contravenção descrita no art. 21 do D.L. 3.688/41, apresentar suas ALEGAÇÕES FINAIS na forma de memoriais nos seguintes termos:
Narra a prefacial acusatória que:
[...] 1) No dia 19 de novembro de 2014, por volta das 8:30h, o denunciado Bobby Beausoleil, pilotando o veículo Chevette Tubarão, placas AAA-0000, em alta velocidade e "cantando pneus", ingressou no pátio do estabelecimento comercial Thelema Veículos, localizado na Av. X, nesta Comarca, quase atingindo os apavorados funcionários que ali se encontravam, bem como a própria estrutura física do imóvel. Com tal proceder (írrito uso de veículo), doloso e visando a perturbar e atemorizar os funcionários, o denunciado pôs em risco a segurança alheia e expôs a vida das pessoas ali presentes a perigo direto e iminente.
2) Não satisfeito, no dia 31 de janeiro de 2015, por volta das 11h, o denunciado, agindo com dolo, adentrou no sítio dos fatos, quando de forma intimidatória se jogou de cabeça contra o crânio da vítima e o empurrando. Praticou vias de fato, sem contudo produzir resultado naturalístico.
Não satisfeito, à sequência, o denunciado novamente entrou em vias de fato com o ofendido Tex Watson, pegando o seu braço e o torcendo para trás, sendo necessária a contenção do denunciado por terceiros.
[...] (p. 70-71).
A denúncia foi recebida em audiência realizada em 19.10.2016.
Na ocasião, o defensor ofereceu defesa preliminar, sustentando que os fatos não ocorreram como narrados na denúncia.
Após, foram ouvidas as testemunnhas arroladas pelo Parquet, ao passo que o acusado não indicou testemunhas. Na sequência, o acusado foi interrogado (p. 111).
Ao final, o Magistrado deferiu o prazo de 1 (um) dia para que o acusado pudesse juntar as gravações relativas aos fatos. Ultrapassado o prazo, foi determinado a abertura de vistas as partes para as alegações finais.
Às p. 112-122, o acusado, por intermédio de sua defesa, juntou documentos e fotografias com imagens do local dos fatos. Os autos vieram, então, com vistas para as alegações finais.
Esse é o relato do necessário.
Ao denunciado é imputada a prática do crime previsto no art. 132 do Código Penal e o art. 21 do D.L 3.688/41, sendo adequado, para o caso, que a sentença seja julgada parcialmente procedente, pelas razões que passo a expor.
1. Do crime de exposição a perigo para a vida ou a saúde de outrem:
Segundo consta dos autos, no dia 19.11.2014, por volta das 8h30min, o acusado ingressou no pátio do estabelecimento comercial Thelema Veículos, localizado nesta Comarca, na condução do veículo Chevette, em alta velocidade e "cantando pneus". Agindo dessa forma, o acusado colocou em risco a vida dos funcionários e clientes que se encontravam no local.
A materialidade do fato está comprovada por meio do Boletim de Ocorrência da p . 3, como também pela prova oral colhida durante a instrução criminal.
A autoria, por seu turno, é incontroversa.
Sobre os fatos, o acusado na Delegacia de Polícia sustentou que, certo dia, chegou no estabelecimento devagar, mas como tinha areia no chão, o carro correu um pouco. Disse que isso ocorreu uma única vez (p. 11-12). Em Juízo, basicamente, o acusado manteve suas declarações anteriores, reafirmando que 'não chegou dando cavalo de pau' (5'44). Disse que ao chegar no local a chancela estava aberta e que não colocou em risco a vida das pessoas que estavam presentes no local.
A testemunha Tex Watson declarou, em Juízo, que conheceu o acusado através da loja e que nunca o viu anteriormente. A partir de dois minutos e trinta e oito segundos do áudio o depoente esclareceu que, no dia dos fatos, o acusado chegou na local com o carro em alta velocidade, puxando ele o freio de mão e deixando todos bastante assustados.
Contou que o local era o pátio da loja, mas que as portas ficam abertas e onde "ele deu o cavalo de pau" fica de frente pra loja. Disse que, em seguida, o acusado desceu do carro e entrou na loja falando alto e em tom agressivo ele declarou: "vocês vão ter que arrumar o meu carro, isso não vai ficar assim" (3'59").
Ainda, aos cinco minutos do áudio, o depoente reafirmou que o acusado entrou em alta velocidade. Disse que quando ele deu cavalo de pau por pouco não atingiu a vidraça e não entrou dentro da loja (5'47"); e que na ocasião todos se levantaram assustados, querendo ver o que tinha acontecido.
Em Juízo, a testemunha Linda Kasaabian apresentou versão semelhante que a do seu colega Tex Watson. Declarou que o acusado esteve na Loja Thelema várias vezes (foram mais de duas vezes) para reclamar sobre um problema no carro dele. Aos três minutos e vinte e três segundos da mídia, o depoente narrou que presenciou a chegada do acusado. Disse que ele chegou "dando cavalo de pau" e que foi mais ou menos um giro de 40 graus, sendo que a distância em que o acusado praticou a ação e a frente da loja era cerca de meio metro.
In casu, infere-se dos autos que o local em que o acusado praticou a manobra perigosa. Embora se trate de um estabelecimento particular, é um local acessível ao público, onde circula um número considerável de pessoas, por ser uma revenda de carros, e ainda, com um número elevado de funcionários - segundo as testemunhas são cerca de 10 funcionários. Havia ainda no sítio clientes e interessados, a garantir a multitude de possíveis vítimas. Ademais, como bem destacou a testemunha Tex Watson, era possível que estivesse passando alguém pelo local no exato momento em que o acusado chegou, até mesmo uma uma criança. Por sorte não aconteceu uma tragédia.
O conjunto probatório não deixa dúvidas sobre a existência do dolo na conduta do acusado que expôs a perigo CONCRETO a vida das pessoas presentes no interior e também ao lado de fora da Loja Thelema Veículos.
Sobre o delito em estudo, o doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete ensina que "A conduta típica é expor a perigo a vida ou a saúde de outrem por qualquer meio. Pode-se cometer o crime por ação em sentido estrito ou omissão, quando o autor tem o dever jurídico de evitar resultado lesivo" (Código Penal Interpretado. 9ª ed. São Paulo. Atlas, 2015, p. 882).
Assim, a elementar do tipo penal ficou evidenciada, de modo que, não há que se falar em absolvição.
Ressalta-se, outrossim, que o delito previsto no art. 132 do Código Penal não exige a ocorrência do dano, porém há a necessidade em ter sido posta em risco direto ou iminente a vida ou a saúde de outrem, o que ocorreu no caso.
Nesse contexto, leciona Guilherme de Souza Nucci:
Perigo concreto: trata-se de um tipo genérico de perigo, válido para todas as formas de exposição da vida ou da saúde de terceiros a risco de dano, necessitando da prova da existência do perigo para configurar-se. [...] Perigo direto e iminente: é o risco palpável de dano voltado a pessoa determinada. A conduta do sujeito exige, para configurar este delito, a inserção de uma vítima certa numa situação de risco real - e não presumido -, experimentando uma circunstância muito próxima ao dano. [...] (Código Penal Comentado, 10ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 658.)
No caso dos autos, é certo que se encontra caracterizado o dolo de perigo, uma vez que, ao ingressar no pátio do estabelecimento comercial, de forma brusca e em alta velocidade, o denunciado demonstrou a sua vontade de colocar em risco a vida das pessoas presentes no local.
Sobre o assunto, destaca-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO-CRIME. PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM. ART. 132 DO CÓDIGO PENAL. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. Prova judicializada que indica que o réu, ao sair de sua garagem em velocidade excessiva, trafegou rente a caminhão ali estacionado, em uma rua de considerável largura, e expôs a vítima e terceira pessoa a perigo de vida, que só não foram atropeladas porque lograram fugir, um por entre a cabine e o tanque de gasolina, outra para a frente do veículo. 2. O delito em análise exige dolo de perigo, e não de dano.(Recurso Crime Nº 71005381140, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 26-10-2015.)
Desse modo, uma vez que certas a materialidade e autoria delitivas, entende o Ministério Público que o acusado deverá ser condenado, por infração ao disposto no art. 132 do Código Penal. Ressalta-se, por fim, que foi concedido ao acusado prazo para a apresentação das gravações relacionadas aos fatos, as quais ele dizia possuir.
Contudo, foram juntados documentos, as chamadas 'declarações abonatórias' (p. 114-114), fotografias (p. 117-122), além da Reclamação feita no Procon de Witmarsum/SC, mas não a gravação referida pelo acusado, deixando ele portanto, de provar as suas alegações, ônus que lhe incumbia, a teor do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal.
2. Da contravenção de vias de fato, descrita no art. 21 do D.L n. 3.688/41:
Com relação à conduta descrita no art. 21 da LCP, entendemos que o acusado deverá será absolvido pela prática da referida conduta, porquanto não ficou caracterizada a infração.
Quando indagado sobre os fatos na fase inquisitiva, o acusado contou que esteve na loja em que a vítima Tex Watson trabalha pedindo para resolver os danos existentes no seu veículo. Disse que Tex Watson se aproximou do declarante e no momento em que mexeu o braço, o interrogando instintivamente pegou o braço de Tex Watson e o afastou. Nega porém agressão ao ofendido (p. 11-12).
Em seu interrogatório judicial o acusado manteve a negativa da autoria, reafirmando que não agrediu a vítima, e o que houve foi somente uma discussão.
A vítima Tex Watson ao ser ouvido na fase policial contou que, no dia 31.1.2015, o acusado foi até a loja e informou que o ar condicionado havia parado de funcionar. Disse que no momento falou ao autor que a garantia já havia acabado e que se ele quisesse poderia buscar pelos seus direitos na justiça; foi quando o acusado declarou: "que justiça, o que! Eu resolvo de outra forma, vou te matar". Narrou que, em seguida, o acusado se aproximou, encostou a cabeça dele na sua e o empurrou; após, ele pegou o braço do declarante empurrando-o para trás (p. 8-9).
Sob o crivo do contraditório, a partir de sete minutos e nove segundos do áudio o ofendido narrou que, no dia dos fatos, o acusado chegou na loja novamente reclamando que o carro dele havia quebrado. Disse que, como gerente, informou que o prazo da garantia já havia passado e orientou o acusado a buscar os seus direitos. Naquele instante o acusado falou "a minha justiça é diferente da tua" (7'56") e afirmou que a situação seria resolvida entre eles. Na sequência o acusado pegou o seu punho direito e o colocou para trás e também encostou a cabeça dele na do ofendido, de modo intimidatório.
O ofendido alegou que foram simultâneos a pegada no braço e o encostou na sua cabeça. Ainda, aos doze minutos e quarenta e sete segundos do áudio, o ofendido informou que não sabe se o acusado teve a intenção de agredir ou de intimar apenas, pois sempre que ele ia até a loja chegava exaltado, dando "cavalo de pau" e acredita que o acusado fez isso querendo intimidá-lo.
A testemunha Linda Kasabian - colega de trabalho do ofendido - sob o crivo do contraditório contou que estava presente na loja na data em que ocorreu o fato, mas não presenciou a agressão, pois no momento estava atendendo um cliente e não viu se o acusado "torceu o braço do seu colega" (6'07), confirmando assim, o seu relato prestado perante a Autoridade Policial (p. 24-25).
Analisando detidamente os relatos colhidos em ambas as fases da persecução criminal, conclui-se que não ficou caracterizado a contravenção de vias fato.
Isso porque, de acordo com as declarações colhidas, o acusado praticou o fato querendo meramente intimidar fisicamente a vítima. Não houve o dolo.
Ademais, verifica-se que já houve discussões pretéritas entre as partes (o acusado foi mais de uma vez na loja), o que corrobora o entendimento de que não houve o dolo por parte do acusado que, querendo, poderia ter agredido a vítima em datas anteriores, eis que ele já havia estado na loja em diferentes ocasiões.
O elemento subjetivo do tipo da infração penal de vias de fato é o dolo, demonstrado no ânimo do agente em provocar o mal físico a alguém, sem a produção de lesões corporais (Comentários à Lei das Contravenções Penais - São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 114).
Dessa forma, a jurisprudência vem acolhendo unicamente como infração de vias de fato a conduta que põe termo a um ato voluntário de agressão, revelado no desejo de molestar, ofender ou produzir um mal físico sem o resultado naturalístico.
Assim, malgrado as declarações do ofendido afirmando que o acusado pegou o seu braço, empurrando-o para trás, conclui-se que não ficou caracterizado a contravenção de vias de fato, até porque o réu é um expert em artes marciais e se quisesse ter magoado fisicamente o ofendido, teria conseguido. Não é o caso dos autos ...
Desse modo, conclui-se que o acusado deverá ser absolvido da contravenção de vias de fato, uma vez que não caracterizada a referida conduta.
Diante do exposto e considerando tudo que consta aos autos, requer o Ministério Público, por seu Promotor de Justiça, que seja julgado parcialmente procedente o pedido contido na denúncia oferecida, a fim de que o acusado Bobby Beausoleil seja condenado pela prática do crime previsto nos art. 132 do Código Penal, e absolvido da contravenção de vias de fato descrita no art. 21 do D.L 3.688/41, por ser medida de inteira justiça.
Witmarsum, 13 de março de 2021
Vincent Bugliosi
Promotor de Justiça