Vistos etc.
Michel Foucault, ingressou com a presente Ação de Ressarcimento e Indenização por Danos Morais frente a Brasil Telecom S.A., requerendo ao final a condenação da ré no pagamento em dobro do valor cobrado pago indevidamente na fatura de maio/2019, bem como de indenização por danos morais no montante de três vezes o valor da fatura.
Dispensado o relatório nos termos do artigo 38 da lei 9.099/95.
De pronto é de se afirmar a possibilidade do julgamento conforme o estado do processo, pelo julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil.
Pretende o requerente a restituição em dobro da fatura cobrada com valores indevidos no mês de maio de 2019 (R$ 773,62), a qual foi paga em 14/05/2019 (fl. 33) bem como indenização por danos morais no montante de 3 vezes o valor cobrado indevidamente.
A requerida, por sua vez, alegou que embora não tenha o autor feito reclamação administrativa a respeito dos fatos narrados na inicial, após receber a citação da presente demanda abriu uma sindicância interna e verificou que não existam falhas em seu sistema, razão pela qual improcedem as alegações. Afirma que as chamadas efetivamente foram originadas do terminal telefônico do autor, sendo legal a cobrança devendo o pedido inicial ser julgado improcedente.
De início, vale assinalar que, em se tratando de ação proposta em face de empresa de telefonia, cuja causa de pedir circunscreve-se à falha nos serviços prestados a um de seus usuários, mostra-se evidente a aplicação das disposições consumeristas (CDC, art. 3º, §2º).
Cinge-se a controvérsia na possibilidade de reparação a título de danos morais e restituição de valores sobre em virtude de cobrança de indevida aduzindo o autor que não realizou as chamadas cobradas, ao passo que a ré afirma que as chamadas foram originadas do terminal telefônico do autor, não havendo irregularidades em seu sistema.
Oportuno ressaltar que a questão central da demanda gira em torno da comprovação referente às ligações constantes na fatura cobrada pela ré, a qual sustenta que foram devidamente efetuadas e assim, licitamente cobradas.
Ademais, vislumbra-se estar o autor em desvantagem relativamente à poderosa empresa ré, o que por si só já autoriza a inversão do ônus probatório.
Nesse diapasão caberia a requerida comprovar que as ligações contestadas pelo autor efetivamente foram feitas por este, posto que tratando-se de relação consumerista "O Juiz pode inverter o ônus da prova quando reconhecer a hipossuficiência ou a verossimilhança das alegações do consumidor, facilitando, dessa forma, sua defesa." (TJSC, 2012.050771-4, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Julgado em: 23/08/2012)
Destarte, caberia a empresa de telefonia requerida a apresentação de documentos que provem que o valor cobrado é realmente devido, pois, de outro modo, inadmissível seria é cobrança de um serviço não prestado. Consoante o art. 6º, VIII, do CDC, a inversão do ônus da prova só poderá ocorrer diante da conjugação de dois elementos, quais sejam, a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor.
No caso, à verossimilhança das alegações restou comprovada ente os documentos acostados pelo autor que demonstram a sua condição de consumidor, dando conta de que as ligações telefônicas cobradas não foram utilizadas.
A hipossuficiência é notória, tendo em vista o poderio econômico da empresa de telefonia e as dificuldades encontradas pelo autor quanto à produção de provas, na medida em que a empresa de telefonia detêm maiores condições técnicas para produzi-las.
Portanto, inexistem nos autos provas de que as referidas ligações telefônicas foram provenientes do número telefônico do autor, bem como, de outro modo, denota-se à fl. 32 que o requerente efetivamente quitou o débito cobrado indevidamente na fatura respectiva.
Assim, não tendo a empresa requerida produzido as provas que lhe competia, pode-se vislumbrar que não houve qualquer prestação de serviço ou utilização pelo autor, estando devidamente comprovada a cobrança indevida de serviços.
Caracterizada a cobrança indevida, passo a análise dos danos morais e devolução em dobro dos valores cobrados.
No que tange aos danos morais, em que pese o autor ter aduzido que a cobrança indevida causou-lhe 'incomodo e desconforto', alegando que o evento danoso restou caracterizado pelo bloqueio de seu terminal telefônico, retiro dos autos que efetivamente não houve o bloqueio.
Inexiste nos autos indícios a justificar o alegado dano moral, ou qualquer tipo de lesão aos direitos do autor e o citado "constrangimento e desconfoto", que a cobrança possa ter causado, salientando-se que essa seguiu os padrões legais, tanto que verificado o equívoco, este foi prontamente solucionado, com a nulidade da cobrança anterior e retificação do valor.
O incômodo a que foi submetido o autor mostra-se como um contratempo, afeto a vida moderna, onde a emissão equivocada do valor da fatura telefônica é incapaz de gerar o abalo moral sustentado na inicial e, em conseqüência, a indenização pretendida.
Sobre a matéria, trago à colação jurisprudência da Apelação Cível n. 0306455-72.2014.8.24.0033, da Relatoria do Des. Selso de Oliveira, julgado em 08/08/2019:
PRETENSA COMPENSAÇÃO DO ALEGADO DANO MORAL. INSUBSISTÊNCIA. CASO CONCRETO EM QUE AS COBRANÇAS INDEVIDAS CONFIGURAM MERO DISSABOR, ANTE A AUSÊNCIA DE MAIOR REPERCUSSÃO DO ILÍCITO CIVIL. ABALO ANÍMICO EXTRAORDINÁRIO NÃO DEMONSTRADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES.
Do STJ, cita-se:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO AUTOR. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis. Incidência da Súmula 83/STJ.(STJ. AgInt no AREsp 1450347/MA. Relator Ministro Marco Buzzi. Julgado em 27/05/2019)
Todavia, merece acolhimento o pleito quanto ao ressarcimento dos valores pagos indevidamente, sendo que a restituição dos valores pagos a maior é medida que se impõe, salientando-se que esta deverá ser efetuada em sua forma simples e não em dobro, cita-se:
"É devida a devolução dos valores referentes à cobrança abusiva dos encargos por parte do banco, não só para restringir o ilícito detectado, como também para prostrar o enriquecimento sem causa, tal qual previsto no art. 884 do Código Civil: "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente aferido, feita a atualização dos valores monetários". Em atenção ao entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, a restituição dos valores deve se dar de forma simples." (TJSC. 0302116-48.2018.8.24.0092. Relator: Gilberto Gomes de Oliveira. Julgado em: 13/06/2019).
Por derradeiro, registre-se que o autor só faz jus a devolução de R$ 373,74, referentes a chamadas telefônicas para celular com código de área do Rio de Janeiro, bem como o valor de R$ 133,98 referentes a chamadas a cobrar de celular, posto que na própria inicial reconhece que as chamadas locais foram realizadas por ele próprio.
Ante o exposto, a teor do art. 487, I, do CPC, JULGA-SE PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por MICHEL FOUCAULT contra BRASIL TELECOM S.A para determinar que a empresa ré promova a restituição simples dos valores pagos a maior pelo autor (quais sejam R$ 373,74 e R$ 133,98), no valor total de R$ 512,72 corrigidos pela taxa SELIC, nesta englobada juros e correção monetária, conforme dicção do art. 406. Código Civil.
Deixa-se de condenar as partes (sucumbência recíproca) no pagamento de custas e honorários, em razão do disposto no artigo 55 da Lei 9.099/95.
P. R. I.
Witmarsum, 14 de agosto de 2019
Jean-Paul Sartre
Juiz de Direito