Inicial – Habeas Corpus – Nulidades Processuais – Lei 11.343
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. URGENTE - PACIENTE PRESO Paciente: FIODOR DOSTOIEVSKI Impetrante: JEAN-PAUL SARTRE Impetrado: MINISTRO RELATOR DA SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Autos de Origem: HABEAS CORPUS 0000 FIODOR DOSTOIEVSKI, brasileiro, solteiro, ator, cédula de identidade RG nº 0000-0/SC, portador do CPF nº 000, domiciliado na PENITENCIÁRIA CENTRAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA, localizada no Município de Witmarsum-SC onde está preso; por seu defensor constituído, o qual subscreve esta, vem à presença de Vossa Excelência, com respaldo no artigo 5º, incisos LIV, LXV, LXVI e LXXVIII da Constituição Federal, artigo 316 do CPP e demais dispositivos legais pertinentes ao caso em tela, apresentar: HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR Contra ato da Sexta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça -STJ, pelas razões a seguir aduzidas: 1. BREVE SÍNTESE DOS FATOS: Segundo se extrai da leitura dos autos de Habeas Corpus 0000 (processo eletrônico), o senhor FIODOR DOSTOIEVSKI foi denunciado como incurso no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, combinado com o art. 40, inciso IV do mesmo diploma legal, art. 29 do CP e, art. 1º da Lei 2.252/1954, sendo deferido pedido de prisão preventiva em seu desfavor em 13/05/2008, ou seja, a aproximadamente 1 ano, 8 meses e três dias. Na esteira das fls. 272, verifica-se que o mandado de prisão foi cumprido em 03/09/2008. Após trâmite processual eivado de nulidades ante a violação do princípio da ampla defesa, uma vez que o magistrado a quo resolveu sentenciar o feito mesmo sem ouvir testemunha de defesa devidamente arrolada na defesa preliminar (fls. 240) fazendo-o com aplicação do art. 222 do CPP, o qual, por óbvio, por violar a ampla defesa, não fora recepcionado pela CF/1988; o paciente fora condenado à dura pena de 7 anos e 10 dias. Outro ato digno de reprovação exercido pelo magistrado a quo foi o indeferimento para ouvir como testemunha o delegado de polícia e o escrivão que deu voz de prisão em flagrante ao senhor Maikel, soltando o paciente por ocasião dos fatos; fato esse que impossibilitou ao paciente a única forma de provar sua inocência (fls. 263). Além de desobedecer frontalmente o inegociável e caríssimo princípio da ampla defesa, o MM juiz a quo, agindo açodadamente e com evidente dolo condenatório, desvirtuou a verdade dos fatos alegando que o réu, ora paciente, não poderia apelar em liberdade, uma vez que foi preso em flagrante e que esta situação perdurou durante todo o processo, quando na realidade o decreto prisional cautelar foi levado a efeito aproximadamente 5 meses depois da prisão em flagrante do réu Maikel. Acresça-se que o paciente sequer foi indiciado, quando do Inquérito Policial, pelos delitos que posteriormente fora denunciado. Importante destacar que o decreto prisional não apresentou uma, sequer uma evidência concreta para fundamentá-lo. Vejamos o teor da decisão: “vemos que os motivos balizadores da decretação da Custódia odiosa, previstos no art. 312 do Código de processo penal pátrio, restam presentes, mais especificamente a garantia da ordem pública, posto que o delito perseguido é daqueles que causam grande comoção social, existindo grandes possibilidades de que o acusado Fiódor Dostoiévski, permanecendo em liberdade persista na perpetuação do crime narrado neste procedimento.” (fls. 134) Note-se que o magistrado decreta a prisão baseada numa hipótese de que há grandes possibilidades de o paciente permanecendo em liberdade persistir na perpetuação do crime. Totalmente divorciada dos paradigmas constitucionais a presunção “in malan parte” que serviu para embasar o decreto prisional, porquanto o paciente ostenta primariedade e bons antecedentes (55). De igual sorte, ou azar, a sentença proferida não observou o princípio do ne bis in idem condenando o ora paciente duas vezes pelo mesmo fato, ou seja, pela presença de menor na cena do crime, situação esta que agravou a já tão problemática situação do paciente. Não somente isso, mas digno de repúdio foi o ato pelo qual o MM juiz, em 13/08/2009, condenou o paciente por um tipo penal previsto no art. 1º da Lei 2.252/1954, lei esta revogada em 7/08/2009 pela lei 12.015(fls. 566). A situação apresentada somente demonstra o “animus” do MM juiz no sentido de impor sanção ao paciente, como também, o total despreparo da autoridade para presidir o feito. Outro ato praticado pela autoridade judicial que merece uma resposta firme e contundente por parte deste Egrégio Tribunal refere-se ao fato de que, mesmo o réu preenchendo todos os requisitos arrolados no § 4º do art. 33 da lei 11.343/2006 sequer foi ventilado sobre a possibilidade de reduzir a reprimenda imposta, ainda que no seu menor nível, conquanto o paciente seja merecedor da redução em seu grau máximo e haja pedido expresso nas alegações finais. Não somente o magistrado e o membro do Ministério Público foram desleixados na condução do processo, mas até mesmo o advogado então constituído para a defesa do paciente, no decorrer do processo, agiu de forma extremamente displicente não concedendo ao paciente uma defesa técnica mínima exigível, chegando ao ponto de as alegações finais se reduzirem efetivamente a ¾ de página, uma vez que no restante totalmente imprestável para concretizar o fim a que destinava. Diante desse estado de coisas o paciente impetrou o “habeas corpus” perante o Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, visando a garantia de seus direitos constitucionais. Todavia, a Terceira Câmara Criminal, ao julgar, deixando de observar os preceitos constitucionais em vigor, negou a ordem nos seguintes termos: DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a ordem impetrada, nos termos do voto. EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO DE MENORES. SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. NEGATIVA AO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. AVENTADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE MOTIVOS PARA A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. TESE NÃO ACATADA. VEDAÇÃO LEGAL À LIBERDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 44 DA LEI 11.343/06. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. "A vedação da liberdade provisória a que se refere o art. 44, da Lei 11.343/2006, por ser norma de caráter especial, não foi revogada por diploma legal de caráter geral, qual seja, a Lei 11.464/07 (...)" (STF - HC n.º 93000 - 1ª Turma - Rel. Ministro Ricardo Lewandowski - DJ de 25.04.2008). QUESTIONAMENTO QUANTO AOS CRIMES IMPUTADOS E QUANTO À PENA FIXADA. TEMAS QUE DEMANDAM AMPLO REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE NO ÂMBITO DO WRIT. "O habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, é marcado por cognição sumária e rito célere, motivo pelo qual não comporta o exame de questões que, para seu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de conhecimento" (STJ - HC 62.140/SP). NULIDADE DA SENTENÇA. PROLAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO ANTES DA DEVOLUÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA. VÍCIO NÃO CARACTERIZADO. PREVISÃO LEGAL. ARTIGO 222, § 2º, DO CPP. NORMA DE CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. "O art. 222, § 2º, do CPP permite que o juiz profira sentença antes de lhe ser devolvida a carta precatória que expediu para a inquirição de testemunhas" (STF - RT 552/445). ORDEM DENEGADA. Assim, entendendo que a mantença do aprisionamento cautelar não encontrava substrato fático-jurídico na aplicação do art. 312 do CPP; além do que, ainda que mantida a condenação com a extirpação do bis in idem ou a condenação pelo delito por lei já revogado ao tempo da condenação; e, aplicando-se no grau máximo a causa especial de redução de pena estampada no art. 33, § 4º, a pena cairia drasticamente para no máximo 2 anos e 3 dias, circunstância esta que daria ao paciente o direito de responder em regime aberto, pois já cumprida está pena, porquanto, encontra-se preso há mais de um ano e oito meses, a defesa impetrou o presente remédio constitucional para salvaguardar os interesses maiores do paciente junto ao STJ requerendo a concessão da ordem par liberá-lo imediatamente. Entretanto a autoridade coatora assim se manifestou sobre o pedido: Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Fiódor Dostoiévski, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Paraná. Colhe-se dos autos que o paciente foi preso preventivamente e condenado a 7 (sete) anos e 10 (dez) dias de reclusão, inicialmente no regime fechado, e 600 (seiscentos) dias-multa, pela prática de tráfico de drogas e corrupção de menores. Objetiva a impetração, inclusive em sede liminar, ver-lhe assegurado o direito de apelar em liberdade por não estarem presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar. Sustenta, ainda, a ocorrência de nulidade decorrente do indeferimento de oitiva de testemunha, bem como da prolação de sentença condenatória sem a prévia juntada aos autos da carta precatória de ouvida de testemunha arrolada pela defesa. Requer, subsidiariamente, a absolvição do crime de corrupção de menores e a aplicação do redutor máximo previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, em relação ao tráfico. Decido. Da análise dos autos, em sede de cognição sumária, não verifico manifesta ilegalidade a ensejar o deferimento da medida de urgência, uma vez que o constrangimento não se revela de plano, impondo uma análise mais detalhada dos elementos de convicção trazidos aos autos, o que ocorrerá por ocasião do julgamento do mérito. Ante o exposto, indefiro o pedido liminar. Diante desse fato, a defesa buscou a reconsideração, todavia a decisão proferida foi mantida incólume. Ouvido o Ministério Público Federal, este manifestou-se pela concessão parcial da ordem, nestes termos. “Com estas considerações, a ordem deve ser deferida parcialmente. Primeiro, para decotar a sanção imposta por conta do crime de corrupção de menores, e, segundo, para conferir ao paciente, em seu grau máximo, o benefício do § 4º, do art. 33 da Lei 11.343/06. Assim, sendo concedida a ordem para extirpar a condenação pelo crime de corrupção de menores, e, igualmente conferir ao paciente o direito de ver sua pena mitigado no grau máximo; em aplicação ao art. 83, V do Código Penal, com o cumprimento de 16 meses e dois dias de prisão, o paciente faria jus ao benefício do livramento condicional. Todavia, está detido há mais de 20 meses, faltando pouco para o cumprimento total da pena a que teria tido direito se condenado aplicando-se o mínimo de razoabilidade, como se manifestou o membro do “Parquet”. Destarte, não resta alternativa ao paciente que não seja vir diante de vossa Excelência, suplicar pela sua imediata liberação. 2. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA: 2.1 Da inconstitucionalidade do § 2º do art. 222 do CPP: Quando, o magistrado a quo ao proferir sentença não aguardou a juntada da carta precatória para oitiva das testemunhas de defesa arroladas por ocasião da defesa preliminar (fls. 185) (fls. 240), bem como, do menor envolvido nos fatos, ocasionou à defesa do paciente grave lesão, maculando por completo o processo a partir da violação ao consagrado princípio da ampla defesa. Note-se que para defender sua posição, o magistrado de primeiro grau buscou fundamento no art. 222, § 1º e 2º. Assim, necessário um exame mais acurado do dispositivo legal invocado para tanto. Reza o art. 222 e seus parágrafos: Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes. § 1o A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal. § 2o Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos. § 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. Relevante informar que a redação do parágrafo 2º que permite ao magistrado proceder ao julgamento após o término do prazo fixado para o cumprimento da carta precatória é aquela original, proveniente de um modelo fascista divorciado por completo das garantias individuais e coletivas. O CPP, elaborado, portanto, sob a égide e "os influxos autoritários do Estado Novo", decididamente não é, como já não era "um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça Criminal", como dizia Frederico Marques. Segundo o genial mestre paulista, "continuamos presos, na esfera do processo penal, aos arcaicos princípios procedimentalistas do sistema escrito (...) O resultado de trabalho legislativo tão defeituoso e arcaico está na crise tremenda por que atravessa hoje a Justiça Criminal, em todos os Estados Brasileiros. (...) A exemplo do que se fizera na Itália fascista, esqueceram os nossos legisladores do papel relevante das formas procedimentais no processo penal e, sob o pretexto de por cobro a formalismos prejudiciais, estruturou as nulidades sob princípios não condizentes com as garantias necessárias ao acusado, além de o ter feito com um lamentável confusionismo e absoluta falta de técnica."1 De todos os graves problemas advindos da redação original do CPP, e como já vista, sob o contexto político-social fascista, um dos mais sérios se descortina pela violação ao princípio da ampla defesa, quando a legislação em comento permite ao magistrado proferir decisão exauriente ainda que não cumprida a carta precatória com o fito de ouvir as testemunhas arroladas. O pensamento esposado pelo impetrante no sentido de que não seria possível proferir sentença sem o devido cumprimento da carta precatória para oitiva das testemunhas arroladas em tempo hábil pela defesa, sob pena de constituir em afronta aos princípios constitucionais e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário que garantem aos acusados em geral a mais ampla defesa é a única tese possível e imaginável de aplicação ao caso. Note-se, que a Carta Cidadã como foi acunhada a Constituição, prevê de forma radical e indeclinável o direito aos acusados em processos em geral, seja judicial ou administrativo à mais ampla e total defesa, motivo mais que suficiente para se reconhecer a nulidade da sentença proferida sem a oitiva do acusado, ora paciente. 1 Marques, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 108. Importante que se diga que o § 2º do art. 222 da legislação processual penal sequer existe no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que sequer fora recepcionado pela Carta da República quando de sua promulgação, restando mais que patente a nulidade absoluta que paira sobre a decisão atacada. Note-se que a autoridade coatora, por ocasião do julgamento do habeas corpus impetrado para garantir ao paciente a liberdade simplesmente denegou a ordem baseada numa vedação legal estabelecida pelo inconstitucional artigo 44 da lei 11.343/06. Este Superior Tribunal de Justiça é reconhecido por ter um compromisso histórico com a ampla defesa dos acusados, compromisso este que não pode ser ignorado neste caso concreto. A defesa está e permanecerá mobilizada pela defesa do paciente, motivo pelo qual seria um erro jurídico gravíssimo e uma tragédia ao acusado ignorar as nulidades absolutas que inquinam o processo indigitado, não concedendo a amplitude de defesa compatível com a dignidade da pessoa humana, consoante a jurisprudência mansa e remansosa das Cortes Superiores. 2.2 Do impedimento de produção de prova testemunhal: Quando da audiência de oitiva das testemunhas, na qual foram ouvidos os policiais rodoviários federais, diante das contradições apresentadas pelos depoimentos prestados, o defensor do paciente requereu que fossem intimados para depor e esclarecer os fatos, o delegado e do escrivão que subscreveu o auto de prisão em flagrante. Naquela oportunidade, o MM juiz, passando por cima do mais sagrado direito do acusado, a uma ampla defesa, assim se posicionou: “o decurso de tempo pode causar meras contradições ante a memória ser uma característica falível humana. Porém, verifico que a princípio, não há grave contradição entre os depoimentos prestados em juízo e os fatos narrados quando da lavratura do auto de prisão em flagrante a ensejar a necessidade da prova requerida pela diligente defesa, pelo que considero tal requerimento impertinente e irrelevante.” (fls. 205/206) (fls. 263/264) O que o MM meritíssimo juiz chama de “meras contradições” deve ser considerado como uma tentativa de conseguir a todo custo a condenação do paciente. Vejamos as contradições. 2.2.1 Do local em que foram encontrados os invólucros contendo as substâncias entorpecentes: Em que pese tecnicamente não alterar a materialidade delitiva, porquanto, de uma forma ou de outra a substância entorpecente fora encontrada no veículo, entretanto, deve-se ter em mente que os policiais MENTIRAM DESCARADAMENTE nos seus depoimentos. Se não, vejamos. Da leitura do laudo pericial do veículo (fls. 180) temos a seguinte conclusão: “tendo-se procedido a um minucioso exame nas partes acessíveis, tanto interna como externamente, no compartimento do tanque e sob o assento, não foram observados compartimentos propositadamente preparados que pudessem ser usados para o transporte de drogas, de forma camuflada. ... - reservatório de combustível de formato próprio, sem apresentar sinais de ter sido propositalmente preparado para o transporte de substância entorpecente.” Agora, vejamos o depoimento do policial Márcio Pittbul perante a autoridade policial (fls. 99). “que, durante a busca o depoente encontrou, escondida no tanque do referido veículo a quantidade aproximada de quinze quilos de erva vegetal....” Em evidente mentira, perante a autoridade judicial, assim se posicionou falando a respeito do assunto: “a droga estava no tanque do veículo” Já o policial Scorpion, perante o delegado de polícia, por ocasião da prisão em flagrante do réu Maickel, assim se posiciona sobre o tema: “que, então, durante uma busca realizada por Márcio, no referido veículo, que era ocupado por três indivíduos, o depoente presenciou seu colega encontrar escondidos no tanque de combustível do referido veículo...” (fls. 101) Perante o juízo, ele assim mente mais uma vez: “A droga estava num compartimento criado sob o tanque de combustível. Se acessava por baixo do veículo, tinha que tirar dois parafusos do tanque, o tanque abaixava e se pegava por cima do tanque, era ali que estava a droga.” (grifos para ressaltar defesa) Ora, se a perícia foi conclusiva no sentido de que não havia no veículo qualquer compartimento adrede preparado com a finalidade de camuflar o transporte de drogas, resta mais que evidente que os policiais rodoviários estavam mentindo tanto no depoimento prestado perante a autoridade policial quanto em juízo. Desta forma, por dever de ofício, o Ministério Público deve apresentar denúncia contra os referidos policiais com base no art. 342 do Código Penal sob pena de configurar o crime de prevaricação contido no art. 319 do mesmo repositório legal. Como inicialmente aventado, o fato de os policiais mentirem vergonhosamente não significa que deve ser desconsiderada a materialidade delitiva. Entretanto, quanto à autoria dos fatos, deve-se ter em mente que, se os referidos policiais mentiram quanto ao local da droga, por certo, também mentiram quanto à autoria dos fatos. 2.2.2 Da voz de prisão contra o réu Maickel: Segundo o entendimento do juiz que proferiu a sentença, “o depoimento dos policiais que efetuaram a prisão do réu, é de grande importância e validade uma vez que este possui fé pública e não possui qualquer interesse nos deslinde da causa.” (fls. 541) (ipsis literis, incluindo erros de português) Como pode o douto magistrado considerar veraz as afirmações prestadas pelos policiais para embasar uma condenação, sendo que, os fatos levam a uma contradição gritante? Vejamos. Quando levados para a delegacia de polícia, todos, absolutamente todos: os policiais, delegado e escrivão concordaram unissonamente quanto à inocência do paciente Fiódor Dostoiévski. Observamos que naquela ocasião, ninguém se referiu à culpa do paciente. Mais uma vez dizemos e repetimos para que fique claro. NINGUÉM FALOU ACERCA DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO ACUSADO, ORA PACIENTE. Caso entendessem pela responsabilidade criminal do paciente, por certo, e por dever de ofício, os policiais deveriam ter dado voz de prisão em flagrante não só para o acusado Maickel, como também para o paciente Fiódor Dostoiévski. Logo, de duas uma. Ou os policiais rodoviários que prestaram depoimento para embasar a condenação, mentiram quando do depoimento em juízo, acusando o paciente com mentiras; ou todos, inclusive o escrivão e o delegado de polícia cometeram crime por não atender aos seus deveres de ofício, deixando de dar voz de prisão ao acusado. Oportuno lembrar o que diz o art. 301 do CPP: “Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” (destaques acrescentados) Ora, se as autoridades policiais não deram voz de prisão ao acusado, ora paciente, por certo deve esta situação, no mínimo, ser interpretada a favor do réu. Diante da situação posta, ou se absolve o réu, ora paciente, considerando-o inocente tendo por base os depoimentos na fase inquisitorial; ou, chama-se o delegado e o escrivão para depor perante este juízo; ou ainda, abre-se processo disciplinar e criminal contra todos os envolvidos (delegado, escrivão e policiais que efetuaram a prisão). Em suma. Se os fatos conduziam para incriminar o paciente Fiódor Dostoiévski como as testemunhas (policiais rodoviários) observaram em juízo, por que somente o réu Maikel fora preso em flagrante? Resta mais que claro que as testemunhas mentiram em juízo. 2.2.3 Da importância do depoimento do delegado e do escrivão: Como visto anteriormente, resta cabalmente comprovado que por ocasião da prisão em flagrante os policiais rodoviários, o delegado de polícia e o escrivão entenderam que o paciente Fiódor Dostoiévski era inocente. Isso fica claro uma vez que o mesmo fora liberado após a prisão do senhor Maikel. Destaque deve ser dado à versão dos policiais rodoviários que na fase judicial passaram a incriminar o paciente Fiódor Dostoiévski, uma vez que tal versão contradiz totalmente os atos por eles anteriormente praticados. Desta forma, diante da possibilidade de cometer um erro gritante contra o paciente, deveria o magistrado, na busca da verdade real, oportunizar à defesa, conforme solicitado na audiência, a produção das provas requeridas. Ênfase deve ser dada com relação à oportunização da produção de provas nesse caso por ser o único meio possível de, o acusado, ora paciente comprovar cabalmente sua inocência. O histórico pessoal do acusado fala por si. Trata-se de réu primário, de bons antecedentes, que jamais se envolveu com o mundo do crime. Seria um erro irreparável deixar de ouvir o delegado de polícia e o escrivão que, por ocasião dos fatos, liberou o paciente da prisão em flagrante, não oportunizando a este a mais ampla defesa. Assim, requer-se que este Tribunal, compromissado com os mais basilares direitos e garantias individuais, anule o processo desde a audiência de oitiva das testemunhas, cujo termo de deliberação encontra-se sob as fls. fls. 263/264 dos autos do primeiro HC. 3. DA POSIÇÃO DAS CORTES SUPERIORES EM CASOS SIMILARES: 3.1 DA POSIÇÃO DO STJ: A começar por este Colendo Superior Tribunal, da lavra da eminente Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, temos um caso mais grave que este que se apresenta nos autos, uma vez que, ao contrário do ora paciente, no caso a ser apresentado havia não só trafico de drogas, como também, porte ilegal de armas; além do que, o réu era reincidente, enquanto, o ora paciente, ostenta primariedade e bons antecedentes (inclusive reconhecidos por sentença transitada em julgado para a acusação. Vejamos a ementa da decisão. HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. VEDAÇÃO DO ART. 44 DA LEI Nº 11.343/2006. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. REINCIDÊNCIA. FUNDAMENTO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. É pacífica na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça a compressão de que se exige concreta motivação para a manutenção de qualquer prisão cautelar, inclusive nas hipóteses de crimes hediondos e de tráfico de drogas, sendo de rigor a demonstração da presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. 2. A simples alusão à vedação contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006 não basta para indeferir a liberdade provisória, se não demonstrada a real imprescindibilidade da medida extrema. 3. A reincidência, por si só, também não é fundamento válido para justificar a segregação cautelar, conforme entendimento pacificado nesta Corte. 4. Ordem concedida para garantir aos pacientes o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, devendo ser expedido alvará de soltura clausulado. (HABEAS CORPUS Nº 115.580 - MG (2008/0202984-5) (destaques acrescentados) Note-se que no caso apresentado os pacientes foram presos em flagrante, enquanto no caso em tela fora preso preventivamente mediante decreto judicial edificado na falácia de que “o delito perseguido é daqueles que causam grande comoção no meio social, existindo grandes possibilidades de que o acusado, permanecendo em liberdade, persista na perpetuação do crime narrado neste procedimento”. Com todo o respeito que merece o douto magistrado, mas fulcrar a decisão de segregar cautelarmente numa mera possibilidade de o delito causar grande comoção no meio social, bem como, existir possibilidades de que o réu persista na perpetuação do crime não está afinado com os ditames constitucionais. Muito pelo contrário, trata-se de decisão que não indicou elementos concretos que justifiquem a necessidade da manutenção da custódia cautelar do paciente. Ademais, vale salientar que o art. 312 do Código de Processo Penal não prevê a possibilidade de decretação da prisão preventiva em face da gravidade do delito. Outra decisão advinda também do STJ, agora da autoria do MINISTRO HAROLDO RODRIGUES, assim se posiciona: HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. NECESSIDADE DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado, ressalvado o meu entendimento pessoal, que, mesmo na hipótese de crime de tráfico de entorpecentes - hediondo por 20/55 equiparação -, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, não obstante a vedação à liberdade provisória contida na nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006, eis que entendido que a liberdade, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por imperativo constitucional, é a regra, não a exceção. 2. No caso, o Juiz de primeiro grau, após um breve relato das circunstâncias que envolveram a prisão em flagrante do paciente pela prática de tráfico de drogas, acabou por entender pela necessidade de manutenção da sua custódia essencialmente em razão da natureza do delito, além de mencionar de forma genérica que aquele teria deixado de prestar "os devidos esclarecimentos à Justiça", tendo o Tribunal de origem destacado, ainda, a vedação à concessão da liberdade provisória em se tratando de crime de tráfico de drogas, fundamentos que não se mostram suficientes para a adoção da medida extrema, impondo-se notar que o acusado tem o direito de permanecer silente diante de questionamentos que possam levá-lo a produzir prova contra si próprio, evidenciado, dessarte, o constrangimento ilegal. 3. Habeas corpus concedido. (HABEAS CORPUS Nº 132.842 – PR) (grifos nossos) Note-se que a Terceira Câmara Criminal do Estado do Paraná ao julgar o HC, para fundamentar a decisão sobre a possibilidade de o paciente apelar em liberdade, sequer fundamentou a decisão, somente arrimando a decisão na vedação a que se refere o art. 44, da Lei 11.343/2006. Assim, resta mais que evidente o direito do paciente apelar em liberdade. 3.2 DA POSIÇÃO DO STF: Com a entrada em vigor da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), que em seu artigo 21 passou a considerar insuscetíveis de liberdade provisória os crimes previstos nos artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo), a discussão acerca do tema bateu nas portas do STF por intermédio de uma ação direta de inconstitucionalidade2, que resultou procedente, e então, ficou reconhecida afronta aos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal (CF, artigo 5º, LVII e LXI). Na ocasião, destacou-se que “a Constituição não permite a prisão ex lege, sem motivação, a qual viola, ainda, os princípios da ampla defesa e do contraditório (CF, artigo 5º, LV)” 3. Até o julgamento, a Colenda Corte de sobreposição se inclinava a entender por inviável qualquer benefício da concessão da liberdade provisória nos crimes em comento, e com muito mais razão, aos de tráfico de drogas. Contudo, ainda que tardiamente, o Supremo Tribunal Federal vem revendo seu posicionamento, de maneira a reconhecer a inconstitucionalidade da vedação “a priori” à liberdade provisória, e, de consequência, a insubsistência da negativa ao benefício com fundamento exclusivo na literalidade do artigo 44 da Lei de Drogas. Nessa linha argumentativa, em dezembro de 2008 decidiu o Ministro Celso de Mello que: “A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do „due process‟, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República” (STF, Med. Cautelar em HC 96.715-9/SP, 2ª T., rel. Ministro Celso de Mello, j. 19-12-2008. Informativo STF 533). (destaques acrescentados) Tal forma de pensar foi novamente adotada pelo Ministro Celso de Mello ao deferir liminar no HC 97.976/MG (DJ de 11-3-2009). Colacionamos a seguir o pensamento emanado daquela decisão: “(...) o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, rel. Mi Celso de Mello; RTJ 176/578-579, rel. Mi Celso de Mello; ADI 1.063/DF, rel. Mi Celso de Mello v.g.)”. Mais recentemente, em 17 de setembro de 2009, o Ministro Eros Grau reformulou seu posicionamento e concedeu liminar em habeas corpus, consignando que o Ministro Celso de Mello, ao deferir a liminar requerida no HC 97.976/MG, já havia destacado que o tema está a merecer reflexão pelo Supremo Tribunal Federal, e terminou por decidir que: “A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da Lei 11.343/06, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana (artigos 1º, III, e 5º, LIV e LVII da Constituição do Brasil). Daí resultar inadmissível, em face dessas garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal”. E arrematou: “A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável” (STF, HC 100.745/SC, rel. Ministro Eros Grau, j. 17-9-2009). Ao se permitir a liberdade provisória e condenar pela inconstitucionalidade toda e qualquer vedação ex lege ao benefício, não se está a homenagear a criminalidade, tampouco aqueles que a patrocinam. É preciso admitir que “há “traficantes e traficantes”. O que se busca, em verdade, é a plenitude do irrenunciável Estado Democrático de Direito e a efetividade das garantias constitucionais alcançadas ao longo dos tempos não sem muitos esforços. Busca-se restaurar a presunção de inocência; a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório violado. Com tal proceder, renovam-se os votos de confiança na Magistratura brasileira, acreditando na capacidade de discernimento na avaliação que deve ser feita por seus Ilustres integrantes, caso a caso, na análise da possibilidade, ou não, de se conceder a liberdade provisória. Para se ter uma dimensão mais apurada sobre o pensamento do STF sobre a matéria em debate, abaixo, apresentamos algumas decisões advindas daquela corte: DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 146.581/SC), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente. Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, a meu juízo, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelo ora impetrante, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa. Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, „caput‟ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”. Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes „Supra-hediondos‟: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06”, “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.). Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte. A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha a seguinte redação: “Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.” (grifei) Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada: “(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão „ex lege‟, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei) Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, “a priori”, em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória. Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v.g.). Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. 28/55 Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros). Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal. O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Essa orientação vem sendo observada em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.): “A gravidade do crime imputado, um dos malsinados „crimes hediondos‟ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, „ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‟ (CF, art. 5º, LVII).” (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei) “A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.” (RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Tenho por inadequada, desse modo, por tratar-se de fundamento insuficiente à manutenção da prisão cautelar do ora paciente, a mera invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar. Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do Processo nº 023.09.039543-6 (3ª Vara Crime e Juizado Violência contra a Mulher da comarca de Witmarsum/SC), expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 146.581/SC), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (HC 2009.032290-3) e ao MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Crime e Juizado Violência contra a Mulher da comarca de Witmarsum/SC (Processo nº 023.09.039543-6). (HC/100742 – STF) Além das mencionadas decisões acima expostas, e, não esquecendo a decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes no HC 90374 concedendo ordem liminarmente para que o paciente pudesse aguardar em liberdade o seu julgamento, não é outra a posição advinda de outros cantos do país, como mero exemplo, apresentamos a seguir uma decisão proferida a Desembargadora do TJMG Jane Silva, enquanto convocada para o Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa que segue transcrita: “A gravidade abstrata do delito atribuído ao agente é insuficiente para a manutenção de sua prisão provisória, sob pena de afronta à garantia constitucional de presunção de não-culpabilidade. Precedentes. Da mesma forma, a invocação da repercussão social do delito não se presta para a justificação da constrição cautelar, sob pena de antecipação do cumprimento da reprimenda, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, notadamente quando a quantidade de drogas encontrada em poder dos agentes não se mostra expressiva. Precedentes. Unicamente a vedação legal contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006 é insuficiente para o indeferimento da liberdade provisória, notadamente em face da edição da Lei 11.464/2007, posterior e geral em relação a todo e qualquer crime hediondo e/ou assemelhado. Precedentes. Dado provimento ao recurso para deferir ao recorrente os benefícios da liberdade provisória” (STJ, RHC 24.349, 6ª T., rela. Mina. Jane Silva, j. 11-11-2008, DJU de 1-12-2008; Boletim IBCCrim 194, Jurisprudência, p. 1228). (destaques acrescentados) Diante do exposto, resta mais que evidente que, o posicionamento do Pretório Excelso tem se inquinado pela inconstitucionalidade do referido artigo que não permite a liberdade provisória nos delitos de tráfico de entorpecentes. De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, em homenagem às sagradas garantias constitucionais, esperamos que com a maior brevidade possível, consolidar-se-á na jurisprudência pátria a inconstitucionalidade do artigo 44 da lei 11.343 que impossibilita aos acusados de tráfico de drogas a liberdade provisória, ainda mais, em casos semelhantes ao dos autos, no qual o paciente ostenta primariedade e bons antecedentes. 4. DA AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA: Como motivo alternativo à declaração da nulidade absoluta pelo julgamento da lide sem o devido cumprimento da carta precatória, em obediência ao não-recepcionado § 2º do art. 222 do CPP e à violação do princípio da ampla defesa pela não oitiva do delegado e do escrivão, deve-se destacar que houve ausência de defesa técnica, uma vez que, em momento algum do andamento processual houve trabalho advocatício de forma a garantir ao acusado, ora paciente, uma defesa concreta. A grande verdade é que ao paciente, em momento algum do feito, foi dispensada uma defesa técnica mínima a viabilizar seus direitos; porém, a pior parte ficou para as alegações finais, momento este mais importante do processo para a defesa, porquanto é o tempo de refutar todas as alegações apresentadas pela acusação e exaurir nos elementos defensivos, entretanto, no caso, as alegações finais (fls. 523/531 – 9 laudas) foram pífias. Se não, vejamos. O culto defensor naquela oportunidade apresentou 3 pontos basilares: i) retrospecto, ii) do contraditório, da imputação e das provas colhidas na instrução e, iii) do requerimento. Importante destacar que das 9 laudas redigidas, as três primeiras são para apresentação e desenvolvimento do escorço histórico, ou seja, nada de tese defensiva, e a última, para os pedidos, e igualmente, nenhuma tese de defesa foi levantada. Assim, quase a metade do escrito, ou seja, 4 (quatro) laudas são imprestáveis para se dizer que houve de fato uma defesa técnica. As 5 (cinco) laudas sobejantes, destinadas a promover a defesa do acusado, foram assim distribuídas: ¾ da fl. 465 foram destinados a falar do delito capitulado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 e o restante (4 laudas), para refutar o crime capitulado no art. 35 da mesma legislação, crime este que sequer foi objeto da denúncia, sendo, portanto, totalmente descabido a sua análise. Na sentença (fls. 541) a respeito deste tema, o magistrado assim se posicionou: “quanto a alegada associação alegada pela defesa do réu, cumpro ressaltar que neste processo o réu sequer foi denunciado por tal delito, pelo que deixo de analisar tal tese.” (destaques acrescentados) Ora, por qual motivo a defesa se mobilizou e gastou a maior parte do escrito para defender tese que sequer foi tópico da denuncia? E o que é pior, recheando a petição com inúmeras jurisprudências para comprovar que o denunciado não poderia ser condenado por um crime que não fora objeto da denúncia. Forçoso acreditar que o advogado tratou com menoscabo a defesa que lhe era devida destinando somente ¾ de uma lauda para a real defesa do paciente. Mais grave do que foi apresentado, se refere ao fato de que em momento algum nas alegações finais foi tratado da imputação quanto aos fatos descritos como capitulados nos art. 29 e 69 do CP, no art. 40, VI da Lei 11.343/2006 e art. 1º da Lei 2.252/1954. O fato da defesa não ter debatido sobre as imputações dos artigos acima expostos e, portanto, não promovendo a defesa do paciente, mostra a toda evidência um cerceamento de defesa, devendo, assim, ser motivo de declaração de nulidade processual. Desta forma, é patente que a defesa atuou com menosprezo agindo erroneamente na condução do processo e cometendo equívocos gritantes ao não perceber que de forma irrazoável e despropositada estava-se simplesmente ignorando bom andamento processual na consecução de uma defesa profícua, muito pelo contrário, agindo com desapego à ética, apresentou uma petição “sem pé nem cabeça”, ridiculamente mal-feita. Apresentar as alegações finais ignorando este fato processual de consequências titânicas enseja a declaração da nulidade não apenas por ausência de contraditório e ampla defesa, mas também pela insuficiência de defesa substancial. Esse também é o entendimento do STJ, que classifica a nulidade como sendo absoluta: “PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – DEFESA APENAS FORMAL – PREJUÍZO EVIDENCIADO AO RÉU – NULIDADE ABSOLUTA - QUE PODE SER CONHECIDA A QUALQUER TEMPO – ANULAÇÃO DO PROCESSO – NECESSIDADE – ORDEM CONCEDIDA. 1- A defesa meramente formal não satisfaz o princípio da ampla defesa e constitui inarredável nulidade e desde que seja demonstrado prejuízo ao réu pode ser reconhecida a qualquer momento, mesmo após o trânsito em julgado da condenação. 2 - Ordem concedida” (Habeas Corpus nº. 88.934/PB, Rel. Des. Convocada Jane Silva, 6ª Turma, j. 21/02/2008, destacamos). Sobre a similaridade entre o caso objeto da ementa e o presente, vale ressaltar alguns trechos transcritos do voto condutor: "É neste momento processual que o defensor tem condições de examinar acuradamente a prova em seu conjunto e de articular eficaz defesa ao acusado. Trata-se, pois, de ato indispensável à validade do processo e sua ausência determina a nulidade do feito, pois que evidente o prejuízo do réu, que em momento crucial da defesa se viu abandonado por seu defensor". (citação extraída do voto do Des. Aramis Nassif, TJRS, apelação criminal 70022473268, j. 16/7/2008, p. 5/8/2008) (destacamos). "AMPLA DEFESA. DEFESA MERAMENTE FORMAL. INEXISTÊNCIA DE DEFESA. A defesa deficiente é igual à defesa inexistente. As alegações finais com caráter meramente formal, caracteriza defesa deficiente e consideram-se sua ausência, ofendendo às garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Em circunstâncias que tais, o juiz surge como tutor das garantias processuais, o que não se confunde com atuação supridora da defesa técnica, o que romperia com o princípio da imparcialidade. Nulidade decretada." (TJRS, apelação criminal 70024477812, Des. Aramis Nassif, j. 30/7/2008, p. 15/8/2008) (destaques acrescentados) Assim, o defensor sendo silente quanto aos fatos imputados e as provas amealhadas, provas estas que foram produzidas de forma totalmente descoberta por uma defesa eficaz, se é que podemos dizer que houve defesa, estamos diante de nulidade absoluta, e por se tratar de matéria de ordem pública pode e deve ser conhecida de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição, destacando-se que a necessidade de proteção ao direito individual da liberdade predomina sobre a imutabilidade da res judicata. Em face do exposto, pede-se a declaração da nulidade ocorrida, anulando-se o processo desde a apresentação de defesa preliminar, porquanto ficou provado à saciedade a displicência do causídico na condução do feito e a inobservância, por parte do magistrado quando sentenciou sem observar este estado de coisas. 5. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM: Ao analisar a sentença proferida (fls. 560), vê-se que o paciente, na dosimetria da pena teve a sua pena majorada em 1/6 (um sexto) pelo fato descrito no art. 40, VI da Lei 11.343/2006, e também, foi condenado a 1 (um) ano de reclusão pelo fato tipificado no art. 1º da lei 2.252/1954 lei esta já revogada à época da sentença. Logo uma única conduta gerou dupla condenação, sendo que, numa delas, por lei revogada, devendo, desta maneira, ser havida como bis in idem, e reformada neste aspecto. Em torno do assunto em comento, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já se manifestou: “ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e o Senhor Juiz convocado, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 33, CAPUT DA LEI Nº 11.343/06. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. PALAVRA DAS TESTEMUNHAS QUE SE REVESTE DE VALORAÇÃO PROBATÓRIA TENDO EM VISTA QUE COMUNGA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. ACERVO PROBATÓRIO SEGURO A ATESTAR A RESPONSABILIDADE PENAL DO ACUSADO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 40, INCISO VI, DA LEI 11.343/2006. COMPROVADO ENVOLVIMENTO DO MENOR NA CONDUTA "TRANSPORTAR". EMENDATIO LIBELLI. CIRCUNSTÂNCIA DESCRITA NA DENÚNCIA. MANUTENÇÃO DA PENA E REGIME IMPOSTO. ART. 1º DA LEI 2.252/54. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO NÃO BIS IN IDEM. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. "O crime de tráfico ilícito de substância entorpecente consuma-se com a realização de qualquer das condutas previstas no art. 33 da Lei nº 11.343/06". Processo: 0535932-6 - Relatora: Maria José de Toledo Marcondes Teixeira Revisor: Jorge Wagih Massad - Julgamento: 12/02/2009) (grifos nossos) A propósito, em comentário a respeito da causa especial de aumento descrita no art. 40, VI, da Lei 11.343/06, leciona Guilherme de Souza Nucci, in verbis: "De qualquer forma, para a aplicação desta causa de aumento, torna-se fundamental considerar a não configuração do crime de corrupção de menores (art.1º da Lei 2.252/54). Afinal, se esta figura típica estiver presente, haverá concurso material com o delito de tráfico ilícito de drogas, em qualquer de suas formas (arts. 33 a 37), sem a incidência da causa de aumento do inciso V"4 (destaques acrescentados) Logo, diante das decisões paradigmas e do pensamento doutrinário apresentado, forçoso conceder a ordem para absolver o paciente do crime de corrupção de menores sob pena de afrontar o princípio do ne bis in idem. 6. DA AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE REDUÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006: Quanto ao direito do paciente em ver a sua pena mitigada em face da aplicação do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, porquanto, preenche todos os requisitos expostos na legislação, sendo primário, não possuindo antecedentes criminais, não havendo nos autos qualquer evidência de que o paciente se dedique às atividades criminosas e, tampouco, que integre organização criminosa, não há o que discutir. Neste aspecto a jurisprudência é firme e contundente: “HABEAS CORPUS. NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO RITO DA LEI 10.409/2002. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL IMPETRADO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. ... 2. ... 3. ... 4. Constatado que o paciente preenche as condições necessárias ao reconhecimento do benefício do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, direito subjetivo do apenado, impõe-se a mitigação da sanção que lhe foi assestada.” HC 122762 / SP HABEAS CORPUS 2008/0268992-4 - Relator: Ministro JORGE MUSSI Data do Julgamento: 23/06/2009 (destaques não existentes no original) “HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – CRIME PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.343/2006 – REDUÇÃO MÍNIMA DO 40/55 ARTIGO 33, § 4º DA LEI 11.343/2006 – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO – EXAME FAVORÁVEL DE TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – AGENTE PRIMÁRIO E POSSUIDOR DE BONS ANTECEDENTES – REDUÇÃO MÁXIMA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EXPRESSAMENTE PROIBIDA – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Se o legislador da Lei 11.343/06 não forneceu especificamente os requisitos para fixação do quantum da diminuição prevista no seu artigo 33, § 4º, impõe-se como critério a observância da análise das circunstâncias judiciais, não só as constantes do artigo 59, do Código Penal, como as demais mencionadas na Lei Antidrogas, e amplamente utilizadas como referencial quando se trata de fixação das penas previstas. 2. Reconhecidos em favor do paciente os requisitos legais da causa especial de aumento, sendo-lhe favorável o exame de todas as circunstâncias judiciais, além de que pouca droga foi encontrada sob sua responsabilidade e o laudo se refere apenas à cocaína, afastada a diversidade da substância, ainda que apresentada de formas diferentes, a redução da pena pela minorante prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 deve ser realizada no patamar máximo.” (HC 118098 / RS HABEAS CORPUS: 2008/0223551-4 - Relatora: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) - Data do Julgamento: 20/11/2008. (destaques nossos) Logo, preenchendo todos os requisitos por lei apresentados, o paciente faz jus à redução de pena. Tal fato é incontestável. Inobstante ter o direito de ver sua pena mitigada, na sentença prolatada, o magistrado simplesmente ignorou o fato, dizendo simplesmente, no item “5. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO (MINORANTES)” (fls. 560), “não há causas de diminuição”, e assim, tem causado grave constrangimento ilegal ao paciente. De qualquer modo, o paciente tem direito ao benefício legal, somente restando o debate em torno do quantum de redução. Quanto a este assunto, em situação similar este juízo já decidiu anteriormente da seguinte forma: DA DOSIMETRIA DA PENA. Quanto à pena imposta, razão assiste aos apelantes quando pleiteiam a aplicação da redução máxima relativamente ao reconhecimento da causa especial de diminuição prevista pelo artigo 33, § 4º da Lei 11.364/2006. A douta magistrada ao efetuar a individualização da pena com base nos critérios estabelecidos pelo artigo 68 do Código Penal fixou para ambos os apelantes a pena-base no mínimo legal, qual seja, em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, reconhecendo que todas as circunstâncias judiciais do artigo 59 lhes eram favoráveis. Na segunda fase da dosimetria penal a pena manteve-se inalterada ante a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes. Já na terceira fase, ante o reconhecimento da referida causa especial de diminuição efetuou uma redução de apenas 1/6, fundamentando a adoção de tal índice no fato de que "não são verossímeis as alegações feitas pelos réus". Entendo, contudo, que tal fundamento não constitui justificativa concreta à concessão do limite mínimo do benefício aos réus. Isto porque é prerrogativa concedida ao réu manter-se em silêncio ou alterar a verdade sobre os acontecimentos que permearam a sua conduta no intuito de se defender. Demais disso, conforme reconhecido pela própria julgadora singular, "os réus são primários, seus antecedentes não são negativos, eles não se dedicam a atividade criminosa e nem integram organização criminosa", preenchendo, pois, todos os requisitos legais previstos para a espécie. Veja-se que esta Corte tem decidido no sentido de que preenchidos os requisitos legais, o magistrado não só pode, como deve reduzir a pena, restando à sua discricionariedade o quantum a ser aplicado, orientando-se pela quantidade e/ou espécie da droga apreendida, o que não ocorreu no presente caso, no qual a magistrada pautou seu entendimento, tão somente, nas inverdades proferidas pelos apelantes, o que, ao nosso ver, não constitui fundamento idôneo para a aplicação da redução na fração mínima. Demais disso, todas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal são favoráveis aos apelantes, tanto que a pena-base lhes foi fixada no mínimo legal. Antonio José Paganella Boschi ao analisar a questão da mensuração das causas especiais de aumento e de diminuição quando variáveis, destaca: Sendo correto dizer que a quantificação da causa especial de aumento ou diminuição deve refletir a razão de ser da própria causa especial (variações do injusto e razões de política criminal), para nós é correto dizer ainda que a dita quantificação precisa corresponder ao grau de culpabilidade determinado na primeira fase do método trifásico (...). Relembremos, primeiro, que o juiz persegue, na linguagem do Código (art. 59), a pena proporcional, ou seja, aquela necessária e suficiente aos fins da reprovação e da prevenção; relembremos, depois, que as majorantes ou minorantes, mesmo as objetivas, integram o conjunto do quadro desenhado, com consciência e liberdade pelo autor do crime. Então, se a reprovação inicial (aferida quando da individualização da pena-base) tiver sido estabelecida em 'grau mínimo' (conclusão a que se pode chegar examinando-se os elementos da culpabilidade, como vimos anteriormente), o 'quantum' correspondente à exasperação, por razões de coerência interna, deverá ser em princípio mínimo, ao passo que o abrandamento, ordenado pela causa especial de diminuição, terá que ser o maior possível, para que a pena definitiva acabe, desse modo, aproximando-se do grau de culpabilidade mínimo, médio ou superior. Em caso de reprovação inicial média, as quantidades de pena a serem estabelecidas dentro das margens correspondentes às causas especiais de aumento e de diminuição devem aproximar-se ou, até mesmo, equiparar-se. Finalmente, quando a reprovação inicial tiver sido estabelecida no grau máximo, a exasperação terá que tender para o limite superior (teto) da causa especial de aumento, e o abrandamento, pelo reverso, para o limite inferior (piso) correspondente à causa de diminuição. Este procedimento é o único que preserva, harmônica e coerentemente, em todas as fases, a relação de proporcionalidade entre pena e culpabilidade, sendo esta o critério que a fundamenta e ao mesmo tempo limita-a" (Das penas e seus critérios de aplicação. 3ª Edição. Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, RS, 2004, p. 306/307). Sob este entendimento, fixo o quantum de redução pela causa especial de diminuição de pena ora em comento em 2/3, restando a pena definitiva para ambos os apelantes fixada em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa. APELAÇÃO CRIME Nº 537.775-9, DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE TELÊMACO BORBA - APELANTE: DIVONSIR SOARES DOS SANTOS E OUTRO. APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO. RELATORA: DES. SONIA REGINA DE CASTRO. Façamos um cotejo entre a decisão apresentada e o caso em tela. O primeiro ponto a contemplar se refere a fato de que o magistrado, na primeira fase da aplicação da pena, fixou a pena base levemente acima do mínimo [3 (três) meses]. A aplicação da pena base em parâmetro próximo do mínimo tem como motivo a análise favorável de todas as circunstâncias do art. 59 do CP, com exceção daquela concernente aos motivos do crime, que segundo o magistrado, era obter lucro com repasse da droga. Analisemos cada circunstância segundo a ótica do juiz. i) CULPABILIDADE: (item 1.1 – fls. 558) Segundo o magistrado a quo “não existe circunstância que faça majorar ou minorar a culpabilidade do réu, que é própria do tipo”. ii) ANTECEDENTES: (item 1.2 – fls. 558) No entender o juiz que proferiu a sentença “O réu não registra maus antecedentes”. iii) CONDUTA SOCIAL: (item 1.3 – fls. 558/559) Para o magistrado “inexiste no processo provas que atestem a conduta social do acusado.” Uma pausa para comentar o item conduta social, porquanto na realidade nos autos constam diversos elementos probatórios de que o paciente tem uma conduta social da melhores. Para se chegar a esta conclusão basta verificar as declarações apostas às fls. 372, 374, 376 e 378, sendo que, inclusive, uma delas (Luiz augusto – fls. 374) expedida por um policial militar, o que faz presumir pessoa honrada acima de qualquer suspeita. Todavia, ainda que realmente não existisse nos autos qualquer prova acerca da conduta social do paciente, esta deveria, por força do brocardo in dúbio pro reo, ser considerada a seu favor, jamais contra. iv) PERSONALIDADE DO AGENTE: (item 1.4 – fls. 558) Sob a visão do julgador “durante o processo não foram colhidos elementos que atestem a personalidade do réu.” v) MOTIVO DO CRIME: (item 1.5 – fls. 558) Na sentença foi dito que o motivo do crime era “obter lucro com o repasse da droga.” Necessário se faz dizer que tal circunstância não evidencia motivo, por si, para agravar qualquer pena. vi) CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME: (item 1.6 – fls. 558) Com todo o respeito, mas, com relação a esta circunstância não houve sequer fundamentação. vii) CONSEQUÊNCIAS DO CRIME: (item 1.7 – fls. 558) Assim manifestou o juiz em relação a este tópico: “não foram graves uma vez que a substância entorpecente foi apreendida.” viii) COMPORTAMENTO DA VÍTIMA: (item 1.8 – fls. 559) Não houve nenhuma circunstância desfavorável ao paciente. Para arrematar, antes do ponto 2 “CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES” (fls. 559) o magistrado ante as peculiaridades do delito, assim se manifesta: “analisadas todas as circunstâncias judiciais, é de se fixar à pena corporal base no mínimo, ou seja, em 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão.” (destaques para enfatizar) Cotejando então a decisão posta que decidiu para fixar a pena base no mínimo, por óbvio pelas circunstâncias favoráveis do art. 59 do CP, com o acórdão paradigma advindo do TJPR segundo o qual “para nós é correto dizer ainda que a dita quantificação precisa corresponder ao grau de culpabilidade determinado na primeira fase do método trifásico... Então, se a reprovação inicial (aferida quando da individualização da pena-base) tiver sido estabelecida em 'grau mínimo' (conclusão a que se pode chegar examinando-se os elementos da culpabilidade, como vimos anteriormente), o 'quantum' correspondente à exasperação, por razões de coerência interna, deverá ser em princípio mínimo, ao passo que o abrandamento, ordenado pela causa especial de diminuição, terá que ser o maior possível”; a conclusão que se chega só pode ser uma: o paciente deve ter suas penas, seja corporal ou pecuniária reduzidas no quantum máximo de 2/3 em aplicação ao §4º do art. 33 da lei 11.343/2006, até mesmo porque o próprio magistrado declara expressamente que as conseqüências do crime não foram graves. Tal fato ganha relevância uma vez que, sendo o réu absolvido do crime de corrupção de menores pela infração do princípio ne bis in idem e, sendo aplicada a minorante de 2/3 da pena aplicada, ainda que majorasse a pena em 1/6 pelo envolvimento de um menor no delito, a pena facilmente seria fixada no máximo em 2 (dois) anos e 3 (três) dias. Assim, como o paciente encontra-se encarcerado preventivamente a 20 (vinte) meses, já teria direito a sair sob o livramento condicional. Para encerrar o assunto quanto à aplicação da minorante que se pleiteia, somente lembramos e suplicamos que, pelo princípio da correlação, esta seja aplicada à pena de multa, reduzindo, assim, o quantum fixado. Diante do apresentado pugna-se pela concessão de liminar no sentido de conceder ao paciente o direito de ver suas penas reduzidas no quantum máximo permitido em lei (2/3). 7. DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE: Como anteriormente exposto, Fiódor Dostoiévski foi preso preventivamente no dia 03/09/2008. É primário, tem residência fixa e ocupação lícita. No plano da realidade fática, não há informações concretas sobre o periculum libertatis, o que perfaz o que a doutrina cognomina de periculum in mora, pelo contrário, há informações que afastam todas as causas justificadoras previstas para a prisão preventiva, aliás, o ônus de comprovar pelo menos uma das causas justificadoras previstas em lei é do Estado, a título ilustrativo, refere-se que o juízo de origem reconheceu a ausência de antecedentes criminais (fls. 558), fato este corroborado com a certidão negativa de antecedentes criminais emitida em 29/01/2010. Contudo, o Magistrado, para justificar a mantença do aprisionamento cautelar do paciente embasou sua decisão na inverdade de que o paciente fora preso em flagrante e que a segregação se faz necessária uma vez que existe a possibilidade (futuro e incerto) de o paciente vir a praticar o tráfico de drogas. Ora, se o réu é primário, de bom comportamento, possui ocupação lícita e não há nos autos qualquer prova do envolvimento do mesmo com o crime organizado, como presumir em desfavor do paciente quando a regra é a presunção em seu favor? A verdade absoluta é que inexistem motivos para manter o paciente atrás das grades, o que está sendo feito com base em vãs conjecturas sem suporte probatório concreto. Não merece argumentar, para sustentar de modo diferente, que a mesma Constituição flexibiliza a regra imposta pelo art. 5º, inc. LXVI, CF, quando dispõe que “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente...” (art. 5º, LXI, CF). Este texto constitucional (art. 5º, XI) simplesmente autoriza a prisão (e não a manutenção da prisão), até mesmo porque, qualquer pessoa pode dar voz de prisão, apenas. “Assim, cumprida a sua missão, a restituição da liberdade é, sim, direito do preso” 5, até porque os fatos também são interpretados e variam de situação em situação, aliás, “o direito é uma instância da realidade e que não deve ser utilizado para consolidar situações injustas”6 Merece, ainda, lembrar que o comportamento (conduta) jamais é formado tão somente por manifestação de vontade, nem mesmo apenas de conduta, mas igualmente por determinações circunstanciais que o cercam (circunstância do caso – receio, medo etc.). Ademais “quando o juiz deixa de aplicar o rigor constitucional da lei devido às circunstâncias dos fatos não está ofendendo a lei, mas cumprindo-a em seu espírito e em sua equidade”.7 Em resumo: Os aplicadores da lei não podem desviar dos valores e interesses maiores protegidos pela Constituição, mesmo quando aparentemente estejam agindo nos limites da legalidade e, no caso, a lei maior garante a liberdade provisória (art. 5ª, LXVI, CF). É verdade que o próprio Estado pode, e a lei autoriza quando presentes uma ou as condições para o decreto da prisão preventiva manter o encarceramento cautelar, contudo, se isso ocorrer, obrigatoriamente deverá fundamentar (art. 5º LXI e art. 93, IX, CF) a decisão nesse sentido (manutenção do preso). Ocorre que a decisão apresentada não está formada em fatos relevantes, antes, está fulcrada em exercício de futurologia, na suposição de que o paciente, saindo da cadeia, virá a traficar. Ora, o texto constitucional exige fundamentação das decisões, com certeza, decisão baseada simplesmente em ilações deve ser considerada no mínimo nula. Se o juiz mantém a prisão, ele o faz por vera e própria decisão sua, que deve ser motivada, por força do mandamento geral do inciso IX do artigo 93 da Constituição. Logo, sem um embasamento sólido especado em provas previamente existentes, a medida coercitiva passa para o campo da ilegalidade, devendo, por isso, ser defenestrada do mundo jurídico. Uma coisa nos parece clara: em nossa legislação não mais se mantém preso provisoriamente acusado algum, sem justificar-se a necessidade de tal medida excepcional, em razão mesmo da natureza cautelar de todas as formas de prisão antecipada. ”Direito é história, é tempo, e faticidade, e que, portanto, cada caso tem a sua singularidade. tentar aprisionar os fatos em verbetes é sequestrar o tempo do direito”.8 (grifos e destaques acrescentados) Daí a assertiva de que os fatos também devem ser interpretados, assim é preciso que a decisão que indeferiu ao paciente o direito de apelar em liberdade seja rigorosamente fundamentada, não bastando para tanto simples suposições. Nenhuma prisão (ainda que processual) pode ser aplicada simplesmente sob o fundamento de que o Estado representa o interesse geral, sobretudo, considerando que esse argumento torna-se absolutamente vazio quando é utilizado para afastar direitos e garantias fundamentais. Ademais, conforme ponderou o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro: “O discurso judiciário não se reduz a um esquema de lógica formal. Não busca conclusão de um mero silogismo. Volta-se, isso sim, para o direito justo”.9 Para Antonio Scarance Fernandes: “Se antes a regra devia ser permanência do acusado em custódia provisória, hoje, em razão da presunção de inocência, a regra deve ser a liberdade...”. 10 (grifos e destaques acrescentados) E prossegue o mestre: “A nosso ver, a vedação legal e absoluta da liberdade provisória é inconstitucional, ferindo a presunção de inocência e retirando do Magistrado a atividade que lhe é peculiar na gestão da conveniência da medida”.11 (grifos e destaques acrescentados) Mais adiante e com a razoabilidade que o caso requer, o mesmo jurista aponta que: “Perceba que as restrições podem existir, como acontece por comando da própria CF, que determina que a lei considerará os crimes hediondos e assemelhados (tráfico, tortura e terrorismo) inafiançável (art. 5º, XLIII). Contudo, vedação absoluta, obstando qualquer modalidade de liberdade provisória, foge ao razoável. Ratificando o que pretendemos demonstrar, atualmente a lei ordinária contempla liberdade provisória sem fiança aos hediondos, apesar de continuarem inafiançáveis. Ora, se estas infrações, supostamente extremamente graves, comportam liberdade provisória sem fiança, qual outra infração de forma razoável não comportaria a medida?” 12 (grifos e destaques acrescentados) Trazendo à luz decisão do Colendo STF, abaixo mencionada, cita-se, a título ilustrativo, que em referido processo, um condenado em primeira instância por tráfico internacional de drogas, teve a oportunidade de apelar de sua condenação em liberdade. O Ministro Gilmar Mendes, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar em Habeas Corpus (HC 90374), determinando a soltura do acusado, se por outro motivo não estivesse preso. Fora considerado, para tanto, que o condenado era possuidor de bons antecedentes, era primário e tinha residência fixa, todas condições favoráveis e positivas para este impetrante. Assim, restou consignado: STF HC/90374 – HABEAS CORPUS -05/01/2007-DECISÃO DA PRESIDÊNCIA – LIMINAR DEFERIDA... DETERMINANDO SEJA EXPEDIDO O COMPETENTE ALVARÁ DE SOLTURA EM FAVOR DO PACIENTE, SALVO SE POR OUTRO MOTIVO ESTIVER PRESO. COMUNIQUE-SE COM URGÊNCIA. SOLICITEM-SE INFORMAÇÕES AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, BEM COMO AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, APÓS, ABRA-SE VISTA À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA (RISTF, ART. 192). PUBLIQUE-SE. HC/90374 – HABEAS CORPUS - SÃO PAULO - Relator: MIN. EROS GRAU. Já quanto ao tráfico de drogas, a questão exige bom senso. É que a lei n.º 11.343/2006, lei especial, que disciplina o tráfico e condutas assemelhadas, no caput do art. 44 veda a fiança e a liberdade provisória sem fiança a tais tipificações. Ora, mesmo sendo a lei especial, acreditamos que houve revogação tácita com o advento da Lei n.º 11.464/2007, alterando a lei de crimes hediondos. Se todos os hediondos e assemelhados comportam liberdade provisória sem fiança, o tráfico não foge da regra. A razoabilidade justifica a medida. Afinal, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito. Ademais, a própria lei (11.464/2007) diz que o magistrado em caso de sentença condenatória, decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. Ora, se o magistrado deve (imperativo por força da lei ante o vocábulo “decidirá”), portanto, é claro que a lei admite e incentiva a possibilidade de o réu apelar em liberdade. Enfim, na dicção do art. 93, inciso IX, da CF o magistrado está obrigado a fundamentar a concessão da liberdade provisória, assim, como a manutenção da prisão do encarceramento preventivo, por entender que a medida não é cabível no caso concreto. Na transparência necessária, deve o magistrado sempre motivar quando denega ao acusado o direito de recorrer da sentença condenatória em liberdade, deixando claros os motivos que o levaram a não conceder tal benefício, revelando de forma inequívoca os motivos da utilidade da manutenção da medida, ou seja, o periculum libertatis que justifica a permanência do encarceramento, afinal, isto não se presume dos autos. Enfim, não pode estar embasada em meras possibilidades, mas em circunstâncias concretas. Segundo o entendimento de José Herval Sampaio: “Não só em razão da supremacia formal e material da Constituição, mas principalmente pela inarredável necessidade de que os valores nela obtidos sejam substancialmente satisfeitos, qualquer atividade estatal deve obrigatoriamente obedecer aos comandos suso, sob pena de violação direta dos princípios que lastreiam essa atuação do poder público, em especial a atividade jurisdicional” 13 (grifos e destaques acrescentados) Não é outro o pensamento de Pacelli: “I – não há dúvida de que a prisão provisória é permitida, contudo, se o Estado entende imprescindível cercear a liberdade do cidadão, deve, necessariamente, justificar concretamente a plausibilidade de tal medida, com elementos específicos (e concretos) de que cada situação fática, II – Qualquer prisão sem que haja elementos concretos que justifiquem a medida antecipatória afasta a obediência irrestrita à Lei Maior que “se constitui como um antecedente lógico de todo o agir e omitir do estado para consecução das prisões que não sejam retribuídas da conduta criminosa”; III – cabe à autoridade judicial fundamentar pormenorizadamente, a partir de cada caso judicial concreto, quais são os elementos fáticos (concretos) que justifiquem a prisão (antes da sentença); IV – Qualquer ação estatal anterior à sentença condenatória deverá obedecer, rigorosamente o disposto no art. 5º, incisos LIV, LVII, LXI, LXV, LXVI e LXVIII, CF; V – “O reconhecimento da situação jurídica do inocente (art. 5º, LVII) impõe a necessidade de fundamentação judicial para toda e qualquer privação da liberdade, tendo em vista que só o judiciário poderá determinar a prisão de um inocente.”14 (grifos e destaques acrescentados) Como visto, a decisão proferida retirando do paciente o direito de apelar em liberdade da sentença que o condenou está divorciada de todos os pressupostos constitucionais: seja porque carece de fundamentação; seja porque está embasada em simples conjecturas que não encontram subsídio fático-jurídico; seja porque a autoridade coatora presumiu em desfavor do paciente; seja porque não há um, sequer um motivo elencado no art. 312 que autorizem a medida; ou ainda, seja porque neste momento processual vige a presunção de inocência. Logo, requer-se seja concedida liminar para determinar o imediato livramento do paciente para que o mesmo possa apelar em liberdade, sob pena de suportar uma maior injusta agressão ao seu status libertatis. 8. CONCLUSÃO: Ex positis, vem este defensor e ora peticionante, requerer que seja concedida ao paciente o direito de apelar em liberdade, além do que, sejam reconhecidas as nulidades processuais e os direitos invocados neste, com esteio no art. 316, do CPP. Ademais, diante da manifestação do Ministério Público Federal, que o paciente seja posto em liberdade imediatamente pelo fato de que, em poucos dias estará cumprindo pena além daquela que seria imposta, caso aplicada a lei de forma adequada. 9. DOS PEDIDOS: Diante dos fatos apresentados requer-se que seja concedida de imediato, ordem para que o paciente tenha os seguintes direitos: 9.1 – De apelar em liberdade com espeque na falta de fundamentos plausíveis para a manutenção da constrição cautelar da liberdade; Subsidiariamente, requer-se a declaração de nulidade dos atos processuais, pelos seguintes motivos: 9.2 – Pela violação do princípio da ampla defesa pelo indeferimento para buscar a verdade real por meio da oitiva do testemunho do delegado de polícia e do escrivão que deu voz de prisão em flagrante para o senhor Maikel; 9.3 Pela violação do preciosíssimo princípio da ampla defesa, porquanto a sentença foi prolatada sem aguardar o cumprimento da carta precatória com o fito de ouvir a testemunha arrolada pela defesa, tendo com parâmetro o 2º do art. 222 do CPP, dispositivo (i)legal este que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988; 9.4 – Pela violação da principio constitucional da ampla defesa, uma vez que o paciente não foi dispensado uma defesa técnica efetiva, pelos motivos solidamente embasados anteriormente; Não sendo este o entendimento deste juízo, que seja concedida ordem reconhecendo ao paciente o direito: 9.5 De ver suas penas (corporal e de multa) mitigadas ao máximo de 2/3 pela aplicação d § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006; 9.6 – De ser absolvido do crime a ele imputado com substrato no art. 1º da Lei 2.252/1954, defenestrando o bis in idem condenatório, porquanto o paciente já teve a sua pena majorada pela presença do menor na ação delitiva, bem como, pela inexistência do tipo condenatório ante a revogação da lei; Termos nos quais, pede e espera deferimento. Gaspar, 04 de junho de 2010. Jean-Paul Sartre OAB/SC 69

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